As feministas do passado lutaram e conseguiram assegurar-nos o direito de voto naquela que foi indiscutivelmente a maior vitória na luta pela igualdade. Lutámos também – e mais recentemente – pela despenalização do aborto. Em Portugal e outros países ganhamos, noutros a luta continua. Das lutas pelos direitos das mulheres que ainda se travam constam ainda a luta pelo fim da mutilação genital feminina e a luta pelo fim da discrepância entre os salários femininos relativamente aos masculinos. Ah, e a luta pelo direito de mostrar os mamilos nas redes sociais, também há isso. A mutilação genital feminina e os salários podem esperar.
Como começou o free the nipple
Com certeza já ouviram falar do movimento Free the Nipple, certo? A esta altura do campeonato, não vejo como será possível não conhecerem o movimento; parece que hoje em dia está em todo o lado.
O free the nipple começou – creio – porque muita gente se apercebeu que o Instagram e outras redes sociais apagam posts e, por vezes, contas quando estas contêm nudez. A partir daqui, gerou-se uma onda de indignação gigantesca, não tanto de homens que se vêem privados de mirar belos mamilos (eles sabem onde vê-los se assim o desejarem e não vêem as redes sociais como fonte inesgotável de mamilos), mas sim de mulheres que se vêem privadas e partilhar fotos de mamilos à mostra.
Diz-se que é um atentado aos direitos das mulheres serem impedidas de mostrar os mamilos nas redes sociais.
Eu discordo e explico-vos porquê.
O feminismo está a tomar proporções ridículas. Hoje em dia chama-se feminismo a tudo. Hoje em dia, parece que tudo o que é negado às mulheres (e não só), merece tornar-se numa luta e numa reivindicação desse direito. Muitas feministas de hoje em dia têm – na minha opinião – as prioridades trocadas e vidas tão privilegiadas que não lhes restam mais lutas que não este tipo de parvoíce. Pelo menos é o que parecem achar. Há muita coisa pela qual ainda vale a pena lutar, mas por mostrar mamilos no Instagram ou no facebook não devia ser.
Mostrar as mamas… de graça?
As redes sociais não são públicas, são criadas por empresas privadas, cada uma com a sua política, com a qual vocês concordam quando se inscrevem e criam ou perfil ou quando instalam um update à política de privacidade e clicam na checkbox a assumir que concordam com tudo. Ora, as redes sociais têm regras: ou concordam ou discordam. Se discordam, porque as usam?
E melhor: se é importante para vocês mostrarem os mamilos, porque insistem em fazê-lo nas redes sociais quando podem fazê-lo noutros sítios e ainda ganhar dinheiro com isso? Independentemente de concordar ou não com a profissão, há mulheres que ganham dinheiro a mostrar o corpo, seja presencialmente ou na internet, mas quem quer mostrá-los nas redes sociais vai fazê-lo de graça… Não se sentem injustiçadas por saber que há quem pague rios de dinheiro para ver mamilos e os vossos sejam “comprados” a troco de likes? Que eu saiba, os likes não põe comida na mesa.
(No domingo passado fui ao Museu Nacional de Arte Antiga, vi este quadro e achei apropriado mostrá-lo neste post. O título é “Cortesã” e, adequadamente, segura uma moeda de ouro na mão direita. Ora, isto quer dizer que no séc. XVIII não se mostravam os peitos sem receber nada em troca. Será?…)
Se são apoiantes deste movimento pergunto-vos isto:
- Por que é tão importante para vocês mostrarem os vossos mamilos nas redes sociais?
- Mostrá-los iam se não fosse “proibido”?
- Mostrá-los-ão se, um dia, o Instagram e o Facebook concordarem em mudar as suas políticas? Há muitas pessoas que conheço e que defendem o movimento que sei que NUNCA o fariam. Parece que só se juntaram à causa porque agora é cool.
Os menores nas redes sociais e a dupla padronização dos seios
E depois há outra questão: porque acham que as redes sociais impõe regras? Será, em parte, porque não controlam eficazmente as pessoas que nelas se inscrevem e que podem facilmente inventar uma idade superior quando não passam de crianças? Acham apropriado crianças e pré-adolescentes apanharem com as vossas mamas (salvo seja) no feed do Instagram sem sequer procurarem por elas? Então e eu? Também tenho que andar a ver as vossas mamas sem o querer? Custa assim tanto admitir que possa haver muita gente que possa não querer ver as vossas mamas?
Ok, mas voltando às crianças, eu sei o que as apoiantes deste movimento pensam:
- Ah, mas os mamilos das mulheres são considerados sexuais e os dos homens não?
- Quando uma mulher dá de mamar também está a expor-se sexualmente?
A isto eu respondo:
- Sim. Já perdi a conta aos milénios em que os seios das mulheres são considerados – até por elas próprias – como armas de sedução. Pensem. Não um bocadinho hipócrita fingirmos que os seios/mamilos não são sexuais quando nós mesmas os usamos nesse sentido quando nos convém? Não precisam de responder, fiquem só a pensar nisso. Eu sei que vocês o fazem, porque todas o fazemos. Agora, quando um homem nos mostra os mamilos deles (nunca o fazem de propósito, sabem disso, certo?) nós ficamos na mesma, tipo “meh”.
- Não. Os seios – e é aqui também que reside a sua beleza – são multifacetados, aliás, as mulheres são multifacetadas! Mas volto a perguntar: por que é assim tão importante mostrá-los nas redes sociais?
Outros sítios onde é permitido mostrar mamilos
Há umas semanas, a Jessica Athayde partilhou no seu blog uma foto supostamente desafiante em que levantava a camisola e mostrava as maminhas… com um “Censored” a vermelho por cima delas instigando a discussão sobre o free the nipple. Aqui, a censura foi imposta pela própria. Que situação ridícula, permitam-me comentar. Sabem porquê? Porque ela não queria realmente mostrar coisa nenhuma, porque se quisesse podia tê-lo feito. Afinal, aquele é o blog dela, tal como este é o meu blog. Nos nossos blogs (self-hosted e sobre os quais detemos todos os direitos) somos nós que impomos as regras; a casa é nossa. Fora da nossa casa, digamos nas redes sociais, temos que nos submeter às regras deles (e submetemos porque clicamos na checkbox a concordar com tudo).
Nos comentários, liam-se coisas hilariantes como:
“Parece que o que tu defendes é o direito dos mamilos das outras…” (tem razão!)
E ainda “Vim cá só para ver mamas, mas afinal não há nada para ver… que perda de tempo”.
“Os homens são uns porcos”, já sei o que vão pensar, mas por outro lado, se mostrarmos tudo livremente nas redes sociais, não têm também eles o direito de só verem as nossas fotos se estivermos despidas ou de comentar com comentários que não queremos ler (ou queremos?) só por estarmos meias nuas? Os direitos não podem ser unilaterais, hã?
Então, e se agora lhes dá na cabeça começarem um movimento chamado #freetheballsack ou #freethescrotum ? Também vão querer levar com essas imagens quando estiverem todas contentes a passear no vosso feed à procura de gatinhos e outfits of the day?
Conclusão short & sweet que isto já vai longo
Não estaremos perante um caso de narcisismo/necessidade de exposição e de atenção? Porque, ao fim e ao cabo em que é mostrar mamilos nas redes sociais vai melhorar as condições de vida das mulheres?
8 Comments
Joana Sousa
09/02/2017 at 11:02 AMAcho que abordaste muito bem o tema. Sim, isto é puro exibicionismo, concordo. Mas há que filtrar – se bem que é óbvio que o “filtro” das redes sociais que retiram as fotos tem mesmo que ser mais objectivo do que isto. Uma foto de alguém a amamentar ou de um poster informativo não tem, de forma nenhuma, a mesma conotação que uma foto a mostrar as mamas só porque “olha que giras que elas são”. Há que filtrar o conteúdo, há mulheres que vestidas criam conteúdo muito mais pornográfico do que outras com as mamas à mostra.
Em todo o caso, eu não fico irritada com isto, honestamente. Uma coisa é querer trazer conteúdo pornográfico para as redes sociais, e isso parece-me inadequado simplesmente porque há quem não o queira ver e deve ser protegido disso. Se quiserem ver, há outros sites para isso. Mas haver uma foto bonita em que uma mãe dá de mamar a um filho não me parece coisa que mereça censura.
Maria Gonçalves
09/02/2017 at 11:24 AMConcordo e discordo 🙂 Começando pelo princípio, eu acho que as mulheres deveriam poder mostrar os mamilos à vontade sem que essas fotos fossem censuradas, e muito menos sem que fosse obrigatório existirem comentários maldosos em relação a isso, mas o facto de eu concordar que as mulheres deveriam poder mostrar não obriga a que eu tenha que mostrar. Isso seria o mesmo do que dizer que quem votou a favor da despenalização do aborto é obrigado a fazer abortos! Acho que quem quiser deve poder mostrar, e quem não quiser não mostra, simplesmente isso.
E sim, acho que se os homens publicam com tanta frequência fotos sem camisola – e não é sem querer, e também há homens que ganham dinheiro a despir-se por isso a pergunta de “porquê fazer de borla se podem ganhar dinheiro?” também se poderia colocar – as mulheres também deveriam poder publicam quando quisessem. Para mim não há diferença entre um e o outro, eu gosto de mamilos masculinos, acho-os sexuais assim como acho os femininos. Agora se os homens em geral são mais “tarados” e não podem sequer ver um decote que já estão malucos, isso não é um problema das mulheres. Voltando a frisar que cada uma mostra o que quer, nem quem mostra deve ser crucificado nem quem não mostra.
Tal como em todo o tipo de fotos, haverá com certeza fotos de mamas e mamilos muito bonitas assim como as haverá sem jeito nenhum. Agora chamar pornografia ao facto de uma mulher mostrar os mamilos, acho que é ir longe de mais 🙂
E mesmo sem ir ao limite de mostrar mesmo as mamas, eu ando 80% do tempo sem soutien e não me incomodo nada com isso, e gosto de ver outras mulheres sem soutien acho que fica super bem – quando têm um peito que permite isso, porque peito muito grande correm o risco de ficar com ele completamente destruído se não tiver o suporte devido.
E pronto, é a minha opinião 🙂 Um beijinho querida <3
Lidia
09/02/2017 at 11:38 AMAdorei o post, Catarina! As pessoas querem isto e aquilo, querem tudo, já nem sabem bem porque querem ou se realmente querem. Concordo muito com o que dizes: queres usar uma rede social, que é uma plataforma que usas GRATUITAMENTE e não queres cumprir as regras? Não faz o mínimo sentido. My house, my rules!
Fora dessas situações, em geral, eu sou muito do “whatever rocks your boat”, façam o que quiserem, como quiserem, quando quiserem, onde quiserem, com quem quiserem. Cada um sabe de si (seja homem, mulher, amarelo, azul, extraterrestre). Eu espero ter essa liberdade também. E essa liberdade vai permitir-me tirar o gosto da página, não seguir o blog, deixar de ver aquele instagram. E realmente faço isso sempre que vejo ou leio coisas que não me agradam. Se forem ofensivas mesmo, sinto-me na obrigação de fazer algo mais (e às vezes faço), se for apenas tótó (como fazer um free the nipple numa plataforma própria e autocensurar-se) simplesmente ignoro: whatever rocks your boat! Isto serve para nipples e para tudo o resto, incluindo comédia: há algumas pessoas que se ofendem facilmente com piadas e, não obstante, continuam a seguir comediantes que só fazem piadas “on the edge” e vão lá todos os dias censurar as piadas: querem autoirritar-se todos os dias porquê? Deixem a malta fazer piadas e mostrar os nipples: não querem ver, não sigam. Se a plataforma não deixa mostrar nipples (ou outra coisa qualquer) e isso para vós é uma violação dos vossos direitos humanos: deviam mesmo ponderar um boicote a essa plataforma!
Rita
09/02/2017 at 12:14 PMObrigada, Catarina, por começares esta discussão. De fato, nunca tinha pensado no assunto como o esclareceste aqui, ponto por ponto. Fizeste-me pensar sobre o assunto e por isso não sei te dizer a minha opinião sobre isto – ainda. Vou pensar sobre esta temática mas gostei da tua opinião e o que defendes.
O feminismo tem como berço causas sociais, como a igualdade salarial, licença de maternidade e outros tantos assuntos relevantes que mudam a vida das pessoas em sociedade. Quanto aquilo que as pessoas fazem em privado, é lá com elas. Se querem tirar fotos com os mamilos à mostra que o façam, mas a partir do momento em que as partilham em determinadas plataformas a foto deixa de ser delas mas sim da plataforma logo passam a ser as regras da plataforma e não as suas. Neste ponto acho que faz todo o sentido, logo dou-te os parabéns por falares da tua opinião mas lançares tópicos importantes para a discussão – porque debater não é atirar lenha na fogueira do controverso mas sim realmente destacar pontos de conversar importantes sobre estes assuntos!
Daniela Oliveira Soares
09/02/2017 at 2:31 PMConcordo tanto mas tanto contigo Catarina. Acho que isto virou um problema geral. As pessoas apoiam causas só porque está na moda e muitas vezes não tentam sequer perceber o verdadeiro significado das coisas. Cada um é livre de lutar pela sua verdade desde que ela não magoe ninguém, mas por favor, vamos fazer as coisas com cabeça e ter argumentos reais!
Another Lovely Blog!, http://letrad.blogspot.pt/
Sara Trigo
09/02/2017 at 5:38 PM“Então, e se agora lhes dá na cabeça começarem um movimento chamado #freetheballsack ou #freethescrotum ?”
Adorei este toque de humor (e pânico!) num texto com imenso cabimento. Eu já tinha pensado no assunto, já escrevi sobre o assunto e concordo contigo: o feminismo tornou-se num momento estúpido. Corrijo, o feminismo contemporâneo ocidental. Queixam-se que os videoclips, os filmes, as revistas sexualizam as mulheres, e que isso está mal e errado de mil e uma perspetivas. Mas proibir-se nudez (feminina) nas redes sociais é uma regra a reivindicar.
Eu acho que na verdade o que se pretende é chocar e romper todas as regras, porque estamos num mundo livre e queremos levar isso ao extremo. Chamamos-lhe feminismo porque era idiota chamar-lhe estupidez. E defendê-la.
Inês
10/02/2017 at 1:59 AMFinalmente leio algo sobre esta esteria que vai ao encontro da minha opinião! Acho que, de facto, “isto” do feminismo está a atingir formas estranhas. Já se reclama de tudo e de nada, sem se pensar no verdadeiro sentido da palavra.
Adorei a forma como abordaste o tema e agradeço por o teres feito!
Vânia
10/02/2017 at 10:57 PMÉ pá, isto é um assunto controverso! 🙂
Concordo com muito do que disseste. Há que se ser feminista q.b. porque, como em tudo na vida, o extremismo não abona a favor das causas e distorce muitas vezes os propósitos para que foram criadas. Para mim o feminismo é o direito e a necessidade de lutar por um reconhecimento igual em termos de direitos, deveres e oportunidades das mulheres, ainda em tanto, nos dias que correm, discriminadas face aos homens.
Concordo com a questão das redes sociais e das suas políticas, e com o facto de que as aceitamos quando nos registamos, portanto não temos nada que reclamar. Regras que são importantes porque há lugares e momentos para tudo e da mesma forma que não fazemos topless na hamburgueria porque sabemos que não é o local adequado, também não devemos fazê-lo no instagram ou facebook, se sabemos que é contra as políticas da empresa. É uma questão de bom senso! Se o fizermos, sabemos que poderá haver consequências. Da mesma forma que há restaurantes onde sabemos que podemos comer despidos, também há redes sociais onde se calhar é aceitável mostrar a nudez.
Quanto aos mamilos das mulheres… a questão na verdade é mais abrangente do que isso. O corpo da mulher é, em boa verdade, igual ao do homem: tem pele, formas, ossos, músculo, gordura… e o problema é que desde há muitos anos atrás que temos, nós mulheres, visto o nosso corpo especialmente sexualizado. Nós mulheres somos desde os tempos da bíblia, e certamente que bem antes disso, as culpadas de todo o mal. Nós, mulheres, somos as culpadas de ser violadas porque andamos sozinhas ou de mini-saia. Nós, mulheres, somos as vítimas de séculos e séculos de sexualização dos nossos corpos aos olhos dos homens, vistas como objetos provocantes e fontes de tentação constante. E a culpa não é deles que não sabem manter a p*cha dentro das calças, é nossa porque existimos e andamos por aí com os nossos corpos, eternamente culpadas de existir. A culpa não é dos mamilos, nem das formas, nem do corpo. A culpa é dos que olham para o corpo das mulheres (e já agora, de alguns homens também) e que não conseguem vê-los além do objeto de desejo sexual. Aí, na verdade, é reside o cerne da questão.