Vivi muitos anos em Lisboa, a capital portuguesa. Quem conhece bem Lisboa sabe que há um caos frequente no dia a dia pelas ruas da cidade; milhares de veículos, condutores stressados e muito trânsito. Durante todos os anos que lá morei, nunca precisei de carro. Fui uma privilegiada que sempre morou ao pé dos principais transportes públicos da cidade que me levavam, sem dramas nem dificuldades, a todo o lado onde precisava de ir.
No último ano que morei lá, em 2019, estava numa agência de marketing digital onde adorava trabalhar e ia todos os dias de casa para o trabalho numa “commute” que durava apenas quinze minutos. Ao final do dia, o privilégio das minhas circunstâncias verificava-se novamente na minha forma favorita de regressar a casa: de bicicleta, pela ciclovia que ligava o meu trabalho à minha casa; um caminho de nostalgia que me levava pela minha antiga faculdade e por inúmeras memórias que tinha nas várias zonas por onde aquele caminho passava.
Em 2020, a minha vida deu uma reviravolta gigante e não só me divorciei da pessoa com quem morava em Lisboa, como essa separação me levou também para lá da cidade que escolhera como casa quando tinha apenas 18 anos. Em 2020, começou uma nova aventura, a maior da minha vida até então.
Conheci o meu atual marido e, por necessidade, mas também por vontade, comecei a dizer que sim a mais desafios fora da minha zona de conforto. E por falar em zona de conforto, em 2020, tive que criar uma do zero, pelo que mesmo ela não era 100% confortável. A certa altura nesse ano, fiz pazes com o facto de já me não fazer sentido morar em Lisboa. Mudei de casa algumas vezes e, pelo meio dessas vezes e da pandemia (que não me deixava andar de transportes despreocupada), decidi, pela primeira vez, comprar um carro. Tornou-se claro para mim que a minha nova vida iria requerer que me deslocasse desta forma e, para conseguir a independência que desejava, teria que ter o meu próprio carro.
Estabeleci um budget e comecei a procurar carros em segunda mão. Não tinha muitos requisitos, mas queria que fosse um carro não muito grande e ágil, para me deslocar bem entre cidades e ser fácil estacionar em qualquer “buraquinho”.
Um dia, fui com o meu então namorado buscar um carro dele à oficina, um pouco longe de onde morava. O carro era um Peugeot descapotável que ele comprou com ideia de vender, mas que teve que arranjar antes. Então, fomos no carro dele e a ideia era eu trazer esse Peugeot no regresso.
Resumidamente, quatro anos depois, o meu namorado é o meu marido e esse carro acabou por ficar para mim. É o meu carro. Apaixonei-me por ele na noite em que o conduzi pela primeira vez, depois de experiências desiludidas com outros carros.
Ao conduzir o Peugeot por estradas (até então) por mim nunca antes conhecidas, deixei-me surpreender pela facilidade, agilidade e prazer da sua condução, coisas que não tinha sentido por nenhum outro carro antes. Nem pelo meu primeiro (RIP Ford Fiesta de 94), que herdei da minha mãe quando ela o trocou por um mais novo.
No dia seguinte, o meu namorado perguntou-se qual dos carros que tinha ido ver é que ia querer comprar, se é que ia comprar algum desses. Pensei um bocado e disse: “vou comprar-te o Peugeot”. Ora, eu sei que não me conheces, mas eu não sou pessoa de grandes compras nem de decisões impulsivas sobre grandes compras. Mas, naquele dia, a decisão saiu-me assim, de rompante, e sabendo que o eleito estava alguns milhares acima do meu orçamento, mas senti algo muito forte e senti que tinha que ser aquele carro.
Enquanto escrevo este texto, olho pela janela e vejo-o em frente à nossa casa, nenhuma daquelas em que morámos em 2020, mas a nossa possivelmente “forever home”. O meu carro não é de luxo, não é o melhor do mundo nem o mais recente, mas eu adoro-o. Sinto-me bem a conduzi-lo e adoro fazê-lo em dias de verão, mais ao final da tarde em que o sol já não queima e consigo abrir a capota e sentir a brisa morna estival.
Hoje em dia parece-me tão natural, mas a Catarina de 2019 (e de antes) nunca diria que um dia iria andar de carro, o dela, conduzido por ela e se levaria a ela própria a eventos e compromissos, sem ansiedades e até com prazer.
Pensei muito nisto ontem ao final do dia quando, ao sair de encontro de mulheres empreendedoras, entrei no meu carro, abri a capota, pus uma das minhas playlists favoritas e vim o caminho todo para casa a sentir-me grata e apaixonada pela minha vida e por todas as mudanças que me trouxeram até aqui.
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