Acho que nunca se aprende verdadeiramente a lidar com a morte. Peço desculpa por ter entrado a “matar” (não era minha intenção fazer um trocadilho, já agora), mas não encontrei outra forma de o dizer.
A verdade é que nenhuma outra morte nos abala tanto como a de alguém que conhecemos. Parece algo óbvio se dizer, não parece? Por incrível que pareça só o descobri ontem.
Não é que estejamos preparados para dizer adeus, por exemplo, aos nossos avós, mas sabemos que é provável que o tenhamos que fazer um dia. Mas o que é que nos prepara para o desaparecimento de um dos nossos? Alguém da nossa idade, alguém com quem crescemos e partilhámos carteira na sala de aula, com quem trocamos cromos ou jogamos à bola? Nada.
Porque quando um de nós morre, não só sentimos que perdemos alguém, mas um pouco da nossa inocência, do nosso lado mais infantil. É como se a eventualidade da morte se tornasse mais real. Afinal, podíamos ter sido nós e não ele ou ela. Não somos melhores ou piores e podíamos muito bem ter sido nós. E perdemos horas de sono a pensar nisto. E a tentar lembrar os momentos que passamos com a pessoa em questão, a pensar que podíamos ou devíamos ter mantido o contacto de outra forma que não ter o perfil de Facebook dessa pessoa perdido no meio de tantas outras centenas de amigos e outras pessoas que conhecemos.
Agora sei porque adicionamos pessoas com quem não falamos hoje em dia no Facebook. Cada uma delas representa uma esperança de que um dia – mais tarde – nos voltaremos a aproximar fora dos domínios das redes sociais; um pedido de amizade é um “quero ter-te debaixo de olho porque me preocupo contigo e espero que te estejas a dar bem na vida.”
E assim acompanhamos as vidas dos nossos ex-colegas e, um dia, nossos grandes amigos que ficaram para trás e de quem nos afastamos por mais nenhuma razão que não o curso natural da vida. Rejubilamos quando casam, quando mudam de emprego, quando começam negócios que nos inspiram. Alguns já têm filhos, outros emigraram. E se morrem? Disso o Facebook não nos avisa e simplesmente deixamos de ver as suas actualizações (quando as vemos). Se temos a sorte de reparar que já não os vemos há muito tempo, passa-nos pela cabeça que apagaram o perfil… ou nos retiraram da lista de amigos, o que teria sido mil vezes preferível.
E no meio de tantos e tantos perfis de amigos antigos que estão para lá parados, acabamos por os esquecer um bocadinho mais. E assim, dois anos depois, dizem-nos que estão mortos e não foi o Facebook a informar-nos. E assim começam a surgir os primeiros pensamentos que antecedem as horas de sono perdidas: “Dois anos??”, “Como é que não se repara durante dois anos que alguém que um dia conhecemos e com quem brincamos morreu, desapareceu para sempre?”
No fundo, tudo isto – tal como tudo na vida – é uma grande lição, um grande “fuck you” às redes sociais que nos passam uma errada sensação de segurança por nos habituarem à ideia de que sabemos sempre tudo sobre os nossos amigos e conhecidos. Serve também para não culparmos as redes sociais e a internet, mas sim a nós próprios pela nossa falta de atenção com tudo menos o nosso próprio umbigo.
Já agora, por curiosidade:
“O que acontece ao nosso perfil de Facebook quando morremos?”
How to Manage Your Online Life When You’re Dead – Time
What Happens to Your Facebook After You Die? – Time
What Are Your Options? – About Technology
How 1 Billion People Are Coping With Death and Facebook – Mashable
What happens to all my social networking information when I die? – How Stuff Works
Dá que pensar.
7 Comments
Analog Girl
24/09/2014 at 4:04 PMEste ano perdi uma prima minha e o perfil do facebook dela permanece activo. É doloroso. O facebook alertou-me para o aniversário dela, 4 meses depois da sua morte. No entanto é lindo ver os comentários que os amigos por vezes deixam por lá. Há coisas assim nas redes sociais…
joan of july
24/09/2014 at 4:28 PMOhh lamento imenso, Joana, não sabia. 🙁 Isso é tão triste! A sério que os amigos dão os parabéns? Que bizarro…
Eu li que dá para alertar o Facebook em caso de falecimento de uma pessoa para que possam desactivar o perfil. Até acho melhor assim, pois caso contrário torna-se ainda mais doloroso, como referiste. 🙁
Inês Silva
25/09/2014 at 2:14 PMÉ uma situação super manhosa realmente. Há uns anos uma amiga minha morreu e na altura eu tinha deixado o hi5 havia meses e nunca mais soube como aquilo ficou, nem me apetecia ir lá ver sinceramente. Eu acho que muita gente tem uma espécie de livros de instruções para outros tratarem desses assuntos o que tem lógica, se pensarmos em pessoas com responsabilidades online. Anyway, gostei bastante do post e de teres ido directo ao assunto.
ps: acho super marado o pessoal que escreve dedicatórias em páginas de gente morta,opá não sei.
joan of july
25/09/2014 at 5:07 PMObrigada pelo teu comentário, Inês. Deixaste-me a pensar seriamente… Um livro de instruções nunca me passou pela cabeça, talvez por não acreditar nunca que vá morrer amanhã, mas a verdade é que nunca se sabe.
Creio que não gostaria que apagassem totalmente a minha existência da internet, mas concordo que isso das dedicatórias é creepy. Qual é o objectivo? Não é que a pessoa em questão as vá ler… :S
Blackbird
24/10/2014 at 9:53 AMNunca tinha pensado através desse ponto de vista mas faz todo o sentido! Agora, assim de repente, lembrei-me de alguns amigos dos quais não tenho notícias à imenso tempo, apesar de os ter adicionado no Facebook. Acabamos por nos esquecer das pessoas – ainda que temporariamente – e o facto de o Facebook não nos mostrar actualizações deles, ajuda!
Quando alguém morre, os familiares/amigos podem contactar o Facebook para remover a conta. Eles fazem isso, acho eu. Já vi contas de pessoas que morrerem desaparecerem – e não sei se usaram esse método ou não – mas existem aquelas que continuam a existir. Perdi um amigo há dois anos e a conta ainda lá está, de vez em quando vou lá visitá-la para me lembrar dele. Quando vou encontro sempre novas publicações no perfil dele, feitas por outras pessoas, isso afeta-me um bocado por isso evito de lá ir! :\
Nancy Wilde
14/01/2015 at 2:54 AMEish… Também acho estranho quando a página continua intacta e toda a gente lá vai comentar do género “agora que morreste…” … Enfim. Gostei deste post, é disto que a malta precisa.
joan of july
14/01/2015 at 11:25 AMÉ mesmo estranho. Yikes! :\
Obrigada, Nancy, ainda bem que gostaste. 🙂