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À luz, não vemos os pirilampos.

Ontem, durante o apagão, muitas pessoas relataram momentos de felicidade, em família, e o prazer de ver tantas crianças e jovens na rua a fazer atividades que há muito tempo não viam. Houve quem falasse das introspeções sobre o valor do tempo em família, longe dos ecrãs, e os benefícios que isso trouxe. Mas hoje, muitos relatos também surgiram, com críticas dizendo que isso é uma falta de vergonha, pois não contempla quem realmente sofreu com o apagão.

A sensação que fica é que, por vezes, os portugueses só parecem estar em paz quando veem todos à sua volta a sofrer. Posso estar errada, mas parece uma coisa muito nossa. Quando alguém está bem, é quase como se fosse necessário derrubar essa alegria. É claro que muitos sofreram — pensamos imediatamente nos hospitais, nos geradores a aguentar, no medo de quem ficou preso em garagens, transportes ou elevadores, e na angústia de quem esteve sozinho e sem saber de nada.

Mas a questão é: devemos minimizar a nossa experiência? Devemos sentir-nos mal por nos termos sentido bem? Ontem, não soubemos nada do mundo. Só sentimos. Só vivemos. Por aqui, foi bom. E não me venham com o “podemos viver tudo isso sem falta de energia”. Algumas coisas sim, outras não. Podemos escolher ficar offline e sem luz, mas não podemos controlar o que os outros fazem à nossa volta. Não podemos fechar os olhos às notícias terríveis que chegam até nós sem querermos. Ontem, pela primeira vez desde que me lembro, todos fomos iguais nesse aspeto.

Sem notícias de ninguém nem de lado nenhum, só nós existimos.

Sou alguém que sofre cronicamente por antecipação, que forma cenários por vezes dantescos na cabeça e que, na maioria dos casos, nunca chegam a ser realidade. Ontem, consegui silenciar esses pensamentos. Por uma vez na vida não sofri por coisas que não sei que estão a acontecer a pessoas cuja existência desconheço. Não foi falta de empatia, foi instinto de sobrevivência.

Eu explico.

Também eu tive medo. Falou-se em guerra, fiquei assustada. Não por mim, por ele. Tenho um filho bebé e, agora, quando ouço falar dessas coisas é só nele que penso. Vivi o dia de ontem numa tentativa bem sucedida de torná-lo especial para ele, para não lhe faltar nada, para nem reparar que algo estava diferente na nossa rotina. Eu e o pai, compensámo-lo com atividades maravilhosas em família, rimos muito e fizemos daquele dia estranhíssimo uma oportunidade de criarmos memórias felizes porque sabe-se lá como vai ser o amanhã. E sabia-se lá se seria uma questão de horas ou de dias.

Quando entramos neste mindset, é nisto que nos concentramos. Especialmente quando existem seres cuja sobrevivência depende de nós.

A única certeza que tive foi a de que nada lhe iria faltar se dependesse de mim e de nós. Não só comida e água, mas bens para lá do essencial. Os momentos que vivemos ontem, sem deixarmos transparecer medo ou pânico. Os mimos, os risos, as brincadeiras. Uma forma de existir menos avançada, mas que ainda sabemos como viver.

Ontem, estivemos isolados do mundo durante muitas horas. E, por um dia, isso fez-me bem. Houve um alívio da ansiedade, uma oportunidade para viver no presente. Não me venham pedir para fingir que isso não foi bom.

Entre as coisas boas de ontem, estiveram:

  • Momentos de brincadeira em família à tarde (no work, all play!);
  • A fogueira e consequentes brasas que fiz para aquecer o nosso jantar;
  • Jantarmos lá fora ainda de dia, vendo o voo raso das andorinhas;
  • O passeio à noite, depois de jantar, com o Liam e a Litha (a nossa cadela) aqui pela zona.

Tudo estava apagado e foi lindo porque, pela primeira vez em cinco anos e pela primeira vez aqui na rua, vi pirilampos!

Não foram dois ou três, mas sim dezenas que eu nem sabia que apareciam por aqui. Tinha esquecido que era a altura deles, sequer. Esqueci-me deste espetáculo lindíssimo da Natureza, normalmente invisível por entre as luzes que a humanidade inventou. Podem não gostar que o diga, mas sem o apagão, nós não teríamos visto os pirilampos.

Lá está, algumas destas coisas podemos fazer por opção. Mas digam-me com franqueza: quem, pelo meio da azáfama dos dias, escolhe fazer uma fogueira só para aquecer o jantar? Quem acende velas em todas as divisões da casa tendo eletricidade? Quem tira tempo para romantizar a vida, mesmo sabendo das atrocidades que se passam no mesmo mundo que habitamos?

Bem, esta última eu faço, sim. Sem vergonha nenhuma. Não quer dizer que não sofra, não quer dizer que não me importo. Quem julga, será que já parou para pensar que a romantização de algo potencialmente negativo possa ser um mecanismo de defesa saudável?

Agora julgo eu: quem é que tem tempo e disponibilidade para ir para as redes sociais debitar moralismos e informar a restante população sobre como se deve sentir perante um acontecimento sem precedentes como o que foi ontem?

Com tudo o que houve de mau, acham aceitável ignorarmos o que de bom se viveu, é isso? Não devemos sequer mencionar que alguém possa ter tido uma existência pacífica e que não tenha sofrido? É de mau tom não termos passado mal?

Vivam a vida e todos os momentos como acharem melhor. Como sentirem. Tudo é válido, todos os sentimentos, bons e maus. Mas não nos digam como sentir.

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