Vou começar este post por admitir: não estou numa fase muito boa. Não há apenas uma razão para tal, mas muitas pequenas que formam uma bola de neve gigante que me dá vontade de me esconder e ficar lá bem quietinha. Ultimamente tenho-me sentido assim. Uma das razões que me tem feito sentir cansada desanimada de um modo geral passa muito pelas redes sociais.
Anda a circular uma imagem algures no Instagram (vi-a porque a Helena a partilhou nas stories) que dizia algo como:
We used to say ‘brb’ on the internet, but now we don’t. We never say ‘brb’ any more. We live here now.
E isto, meus amigos, mexeu comigo. Não foi nada que não soubesse, mas dito assim e o facto de o ter lido exactamente num momento em que me sinto tão farta de redes sociais e de relações falsas (de cordialidade, de pseudo-amizade, etc.), veio tocar-me na “ferida”.
“Ir à net” vs viver na net
Lembrei-me das mil e uma vezes quando era adolescente e em que “ir à net” era um privilégio, um momento (ok, alguns momentos) do dia pelos quais ansiava. “Ir à net” era algo especial e precioso porque sabia que não ia poder abusar do meu tempo online. Eventualmente teria que sair ou ir jantar ou fazer trabalhos de casa, situações que me obrigariam a interromper o meu tempo de internet com um “be right back“.
O ‘brb’ significava que a minha vida “cá fora” falava mais alto e que teria de abandonar, ainda que por momentos, o mundo virtual. Hoje em dia… a história é diferente. Hoje em dia, como dizia a citação, vivemos na internet e o anormal é quando esta se desliga por alguma razão.
Já vos aconteceu ficarem sem net e pensarem inconscientemente (ou mesmo de forma consciente) “e agora?!”, como se a fossa vida fosse imediatamente afectada pela falta de internet. E o pior é que é.
Não vou dizer que nos habituámos a viver online completamente, mas na verdade vivemos num misto de on e offline, nunca vivendo plenamente em sítio nenhum; o nosso mundo é, por isso, uma coisa híbrida: não vivemos a vida “normal” sem estarmos agarrados também ao telemóvel, nem vivemos a vida online sem qualquer influência da vida “normal”.
Vivemos num misto dos dois e cada vez mais esta nossa vida híbrida se assemelha mais a um episódio de Black Mirror (já agora, deviam ver a série e, em especial, o primeiro episódio da terceira temporada; o vídeo abaixo é desse episódio).
“Agora vivemos aqui”
“Agora vivemos aqui”; é uma frase muito forte e que me tem feito reflectir imenso.
Eu preciso da internet, nem que seja para trabalhar. Mesmo que faça um voto de silêncio online na minha vida pessoal, continuaria a ter que conviver com este mundo no trabalho. Não há como fugir completamente.
Hoje em dia mesmo que não vás à net, a net vai até ti. Estás contactável onde quer que estejas, desde que haja internet e rede de telemóvel. Mesmo que estejas na net a ler artigos e, enfim, a usá-la de forma positiva, mas sem querer exactamente contactar com ninguém, as pessoas chegam até ti. Há sempre aquela possibilidade de te marcarem em posts, em fotos, de te mencion@rem e mesmo que não estejas no Facebook, recebes a notificação no telemóvel. És convidada para eventos, para apresentações, para gostares da página da tia da rapariga que acabaste de conhecer num evento de bloggers e sentes que tens que gostar dela para gostarem de ti. Se não estiveres na net de todo, mandam-te sms a dizer para ires à net lerem o que escreveram, “não viste a mensagem que te enviei?”
Agora também deixámos de falar com as pessoas sobre os serviços que nos prestam.
Já não reclamamos nos cafés porque a bebida que pedimos sabia mal, nem mandamos comida para trás, optamos antes por comer menos e, depois, deixamos a classificação apropriada nas aplicações de reviews de restaurantes, para aprenderem.
As estrelinhas, tudo pelas cinco estrelinhas.
Os carros em que andamos (táxis, ubers, cabifys) e os motoristas que nos apanham, eu sei o que move a maioria; sei que se não existissem as estrelinhas se calhar não teriam grande interesse em prestar-nos o melhor serviço possível.
Hoje em dia se não há fotos, nem stories do Instagram, é porque não aconteceu. Os meus amigos que não são bloggers são instagramam como nós nem filmam as coisas como nós, por isso os nossos encontros não aconteceram. Certo?… Parece ser assim hoje em dia. Tenho visto mães, bloggers, que fazem trezentas stories em vídeo dos filhos. Por dia. Não vou dizer que isto é errado, mas enquanto faz stories em vídeo dos filhos para o Instagram, vídeos esses que vão desaparecer para sempre daqui a 24 horas, será que os grava também de uma forma menos efémera? Será que os filhos vão ver e rir-se com esses vídeos daqui a 20 anos? Será que ainda se guardam os vídeos das crianças? Tenho receio que se esqueçam de fazer vídeos a sério para além do raio das stories para os outros verem e se deleitarem com o quão fofas são as crianças delas.
Fico tão feliz por ter vídeos da minha infância, gravados em suporte físico. Saudades desses tempos.
Agora até os vídeos dos momentos mais marcantes das nossas vidas têm um prazo de validade como – aparentemente – as nossas relações.
“Choose life”
Fugir da internet é um tipo de fuga que não se torna mais eficaz se sairmos do país; ela está por todo o lado e – atenção – ela é espectacular e não quero parecer ingrata, porque muitas das pessoas que conheço e adoro hoje em dia conheci na net. Não estou a dizer que vou deixar de a utilizar também, só estou a dizer que estou cansada do seu uso frenético e obsessivo. Estou farta da loucura dos likes e dos seguidores, estou chocada por saber que isso leva pessoas a comprarem likes e seguidores (wtf??) e pergunto-me o que – face às questões verdadeiramente importantes do mundo – o que raio é que isso importa na vida.
Dói-me na alma saber que há casais juntos quando já deviam estar separados há muito, tudo em prol dos likes e dos seguidores e da lisonja e do dinheiro. No fundo, com ou sem internet o que importa é o dinheiro, certo? Tudo vai dar a sexo ou a dinheiro no final e quando os únicos objectivos da vida de alguém são esses, só consigo sentir pena, quer os consigam atingir ou não.
Estou também cansada das relações de amizade falsas, do lambe-botismo, do fingir que gostamos de toda a gente e que estamos bem, felizes e inspiradas a toda a hora. Que não nossa vida não existe caos, maldade, inveja, lágrimas, perversidade, leviandade, nossa ou de outros.
Tenho saudades de estar no computador de secretária em casa dos meus pais com 13 ou 15 anos, toda contente a descarregar músicas do Napster, a falar com amigos no IRC ou no MSN, a ler e a escrever fanfiction do Harry Potter e do Senhor dos Anéis e… de me chamarem para jantar, deixando a internet para trás.
O que é que fazes que te chamam para jantar hoje em dia? Levas o telemóvel e coloca-lo mesmo ao teu lado, na mesa.
Todas as conversas que temos na net hoje em dia requerem uma resposta ultra-rápida, uma reacção imediata, caso contrário quer dizer que te estás nas tintas e que não podes pertencer àquele mundo porque se não és suficientemente rápida, é porque não vives naquele mundo.
Se são tão fãs de Trainspotting como eu, terão ido ver o 2, que saiu este ano (em Abril, se não me engano). Ainda agora o discurso do Renton ecoa na minha cabeça como uma voz da consciência e materializa-se num dedo que, mais uma vez, toca na ferida de forma algo dolorosa.
Neste segundo filme, que tem lugar vinte anos após o primeiro, o célebre discurso “Choose life” da personagem do Ewan McGregor substitui as referências aos leitores de CDs, pagamento de empréstimos da casa (porque quem tem dinheiro para comprar casas hoje em dia, anyway?) por redes sociais, revenge porn e slut shaming. Nada mais apropriado aos dias de hoje.
Deixo-vos com o discurso “Choose life” do Trainspotting 2 que diz tanto sobre o que penso sobre este assunto da internet e das redes sociais.
“Choose life
Choose Facebook, Twitter, Instagram and hope that someone, somewhere cares
Choose looking up old flames, wishing you’d done it all differently
And choose watching history repeat itself
Choose your future
Choose reality TV, slut shaming, revenge porn
Choose a zero hour contract, a two hour journey to work
And choose the same for your kids, only worse, and smother the pain with an unknown dose of an unknown drug made in somebody’s kitchen
And then… take a deep breath
You’re an addict, so be addicted
Just be addicted to something else
Choose the ones you love
Choose your future
Choose life”
8 Comments
Vânia Duarte
17/10/2017 at 12:53 PMAmen sister. Eu fiz um vídeo exactamente sobre este assunto antes de ir de férias porque sinto exactamente o mesmo. Estou numa fase que já começou há algum tempo em que ando muito muito cansada daquilo que falas “a cordialidade, as pseudo-amizades, o ter de gostar de toda a gente, o partilhar constante de somos todos amigos”. E na realidade quanto mais percebo que este mundo é feito de interesses mais me apetece ficar em casa e na minha vida, mesmo que passe por anti social.
Catarina Alves de Sousa
17/10/2017 at 12:59 PMEstamos na mesma, Vânia! Foi tão difícil para mim perceber o que vale a pena e o que não vale… Acho que ainda estou a descobrir, mas até há pouco tempo queria fazer tudo e ir a quase tudo e isso não pode ser. Cada vez mais me dá prazer viver o mundo offline sem qualquer partilha. E, pensando bem, há tantos momentos da minha vida que não mostro em lado nenhum e só me posso sentir feliz por isso. 🙂
RITA
17/10/2017 at 12:59 PMÉ uma grande reflexão sobre a maneira como não devemos levar as redes sociais tão a sério – e que a nossa geração vai ter de se adaptar. Se tiver 1 dia sem responder aos meus amigos, não me importo. Se tiver uma semana sem postar no Instagram, não estou. Cada vez mais prezo a minha privacidade e os momentos em que estou longe das redes. O tempo passa mais lento e melhor 🙂
Catarina Alves de Sousa
17/10/2017 at 1:02 PM“Mais lento e melhor”, agora disseste tudo! Nesta viagem que fiz à Suíça vivi um bocado à anos 90 e adorei: só tinha net à noite, quando chegava ao hotel, e à noite via na TV aquilo que estava a dar e pronto, não havia que cá modernices de gravar e/ou ir atrás na emissão. Já não sabia o que isso era e, realmente, fez o tempo avançar mais lentamente à noite. Durante o dia tinha a melhor tv e net do mundo: simplesmente a paisagem. Não senti falta de absolutamente nada. 🙂
Joana Sousa
17/10/2017 at 1:27 PMExcelente, excelente post, Cat (e esse discurso do Trainspotting!). Também tenho pensado muito nisto nos últimos tempos. Estou a montar a minha casa e chego ao fim do dia e penso “será que devia publicar alguma coisa sobre isto que comprei ou isto que estou a fazer ou…”…a resposta é óbvia e imediata – um redondo não, porque não vem de vontade de partilhar, vem de um “deveria?”. No entanto, assusta-me que esse “deveria” me passe sequer pela cabeça e percebo porque é que ele acontece. É precisamente por “vivermos online”. Tenho feito o esforço consciente até de não estar demasiado disponível nesta história das mensagens. É assustador. Parece que temos a obrigação de estar contactáveis 24h por dia, não há refúgio…
Analog girl
17/10/2017 at 7:53 PMEngraçado, vi essa frase no stories da Helena e ficou-me também na memória e fez-me pensar exactamente no mesmo. Há dias, numa das madrugadas em que acordo para amamentar (e o miúdo mantém-se de olhos fechados e semi -adormecido), e em que complemento esse momento com uma vista de olhos nas redes sociais e na quantidade de artigos, vídeos e informação que não interessam ao menino Jesus nem nos acrescenta nada, tive um daqueles momentos em que tudo me pareceu ridículo e vazio e só me apeteceu desligar-me de vez. Só não o faço porque depois o momento passou, porque o ecrã mantém-me acordada e nesta fase limitada é um acesso ao mundo. Mas sim, ando insatisfeita, e da para perceber que muitos mais também o andam. Já não sabemos distinguir os momentos genuínos dos fabricados, já nada é linear ou simples. Talvez seja por isso que ainda não desisti do blog, ainda há muitos de nós que não se venderam completamente e ainda há comunidade e genuinidade se soubermos procurar. Enfim…
Sofia Garrido
17/10/2017 at 9:08 PMGostei tanto deste artigo, Catarina!
Tenho uma publicação sobre este tema em rascunho há algum tempo e ainda só não a publiquei porque estou a ver como as coisas correm para expor melhor alguns aspectos e dar algumas sugestões de como minimizar o impacto destes aspectos negativos da internet na nossa vida, segundo a experiência que tenho tido.
Há uma coisa que prego aos 4 cantos do mundo, que já fiz há meses, para que as redes sociais sejam o menos intrusivas possíveis na minha vida, que é tão simples como desligar as notificações de todas elas. Ninguém precisa de ser notificado 300 vezes ao dia de um novo like ou comentário. Podemos continuar a, como faziamos antes, ‘ir à net’ em períodos definidos por nós, e não quando as redes sociais nos bombardeiam quase como a gritar “Dá-me atenção”.
Tenho-me apercebido que cada vez mais pessoas sentem esta saturação, e acho que é um assunto que devia ser mais discutido, para que cada vez mais pessoas reflictam no impacto que a utilização que fazem das redes sociais tem nas suas vidas.
Um beijinho,
Sofia | http://www.monochromaticwave.com
Inês Matos
19/10/2017 at 5:40 PMSe soubesses o quanto me identifico com esta publicação e o quanto tenho pensado sobre este assunto… Tenho pensado tanto em ausentar-me do mundo online. Não digo apagar as minhas contas (e o meu querido blog), mas passar menos tempo on.
Se queres saber, comecei a passar o dia inteiro com o telemóvel com as notificações em silêncio (em modo noite). Se for urgente sabem como me contactar, sabem onde estudo, onde moro e quem são os meus amigos. Preciso deste tempo para mim e para me focar noutras coisas que não no numero de seguidores do instagram ou no que as outras pessoas andam a fazer no seu dia-a-dia. Claro que ainda vejo as histórias e as fotos , mas não quero fazê-lo freneticamente de 5 em 5 minutos, simplesmente porque estou aborrecida ou a passar tempo. Tem de haver algo mais que possa fazer….
Espero muuito que a fase menos boa de que falaste passe rápido e que este género de reflexões te possa ajudar a descobrir o cerne do problema.