Parece que ainda há pouco tempo escrevia sobre os meus amigos, que compunham uma “grande manta de retalhos”. Hoje, creio que não restem muitos retalhos para compor uma manta suficientemente grande para me tapar sem deixar os pés de fora.
As redes sociais são ferramentas maravilhosas que nos ajudam não só a conectar e a manter contacto com outras pessoas, mas também que nos ajudam a guardar memórias. O perigo é quando as nossas melhores memórias se voltam contra nós para nos lembrar daquilo que perdemos.
Como já devem ter adivinhado pelo título deste post, falo de amizades.
Sou a primeira a aceitar e a defender que é normal perdermos amigos ao longo da vida. Acontece já não nos identificarmos com alguém e, gradualmente, seguirmos caminhos diferentes. E está tudo bem. Eu não sou fã de manter amizades só porque sim. Gosto de só manter comigo quem quer estar cá e aqueles com quem mantenho laços fortes. A distância é irrelevante; há amigos que posso passar anos ou meses sem ver (os emigrados, maioritariamente), mas quando voltamos a estar juntos parece que nada mudou entre nós.
E depois há aqueles que se mantiveram comigo ao longo dos anos, com quem convivi inúmeras vezes, com quem jantei e saí milhares de vezes, a quem convidei para frequentar a minha casa e considerei, algum dia, uma segunda família. Curiosamente, esses desapareceram quase todos.
Mas aconteceu alguma coisa? Chateei-me com eles? Nope. Não se passou absolutamente nada entre nós.
Não estou a escrever sobre este assunto desconfortável por ter sido algo de que me lembrei subitamente. Estou a pensar nisto e a reconhecer padrões de afastamento quase desde o início de 2020.
Depois de muito ler, sentir e reflectir cheguei a uma conclusão: todas as pessoas em que estou a pensar enquanto estou a escrever este texto desapareceram da minha vida algures entre a minha separação e a sua oficialização, com o divórcio.
Li bastante sobre este fenómeno e sei agora que, nestes casos, há amigos que se afastam de nós porque acabam por escolher instintivamente um dos lados. Algumas amigas (do sexo feminino mesmo) que estão em relações sérias, mesmo não optando por lados acabam por nos colocar de parte –
a nós, mulheres divorciadas – como se fôssemos portadoras de uma estirpe qualquer de peste que só atinge mulheres comprometidas, como se o divórcio fosse também ele uma doença contagiosa.
Aparentemente, há quem se assuste mais com o divórcio dos outros do que com a possibilidade de apanharem COVID-19. Se ao menos houvesse desinfectante que as protegesse de “apanharem” divórcio”.
Segundo vários estudos que li, a maioria das mulheres faz isso de forma inconsciente, mas sim, é motivada pelo receio de sobrevivência da própria relação.
É a natureza humana, aparentemente. Triste, no entanto. É triste ter sido tão facilmente descartada por tantos “amigos” sem uma palavra de conforto, de força ou sequer de despedida. Acho que acabei de descrever ghosting.
Já que estamos no tópico, os amigos não foram os únicos que perdi. Perdi também muita família em “segunda mão”. E está tudo bem. O que ainda me choca é a facilidade com que as pessoas que dizem considerar-te família um dia, deixarem de te falar no outro. Sem despedidas, últimas palavras, desejos de felicidade.
Silêncio.
Não vou mentir: este episódio de mass ghosting (espero ter inventado este termo agora porque nunca “mass” associado a “ghosting”) não tornou nada fácil confiar.
Se antes só confiava no outros quando chegava a nível hard, agora passei a jogar em nightmare mode e esta quest é quase impossível de completar.
A dificuldade em confiar aliada à sensação de que tudo é efémero (segundas famílias, amigos, sensação de segurança e de casa/lar) são sequelas que vieram para ficar. Espero que não para sempre.
Quem me conhece sabe o quão feliz estou por ter deixado aquela parte da minha vida para trás. Só não sabia que muita gente que compunha a manta de retalhos da minha vida também ficaria.
Não sou pessoa de me afeiçoar facilmente e por isso me custa tanto. Mas a vida é mesmo assim e acreditem que cresci imenso com mais esta aprendizagem sobre a verdadeira natureza humana.
Não se preocupem, quem vale a pena ficou comigo e dou ainda mais valor a essas pessoas.
É caso para citar a sabedoria popular ao dizer que “só faz falta quem cá está”.
Sabem que mais? Se tiverem alguma coisa a partilhar segundo as vossas próprias experiências, adoraria saber. Podem contactar-te de forma mais privada, se quiserem, pelas DMs no meu Instagram. Sinto que ninguém fala sobre isto. Sobre divórcio sim, mas sobre todas as outras pessoas que perdemos no precesso não.
Que sejamos todos felizes e um brinde (pode ser com café, dada a hora de publicação deste post) às amizades verdadeiras e às boas pessoas que – felizmente – este mundo ainda tem. 🙂
Gosto muito de vocês. Vocês sabem quem são.
4 Comments
Leonor Canelas
27/01/2021 at 12:55 PMPassei por esse processo na adolescência, após o término com o meu primeiro namorado. Achei que fosse coisa de criança, mas afinal somos todos crianças até em fase adulta.
Um brinde com café com cheirinho (que a esta hora já se pode)!
Catarina Alves de Sousa
27/01/2021 at 1:03 PMPelos vistos, os adultos também fazem muito ghosting. Cada vez se perde mais a empatia e o respeito pelo próximo.
Aprendamos com estas experiências para que nunca nos tornemos nessas pessoas. 🙂
Café com xiripiti para aqui também, sff!
Carolina Pimentel
27/01/2021 at 1:34 PMEm 2018, passei por uma experiência igual. No término de um namoro de 3 anos, com vários amigos que considerava família, eles optaram por ficar do lado do meu ex. Houveram alguns, especialmente, raparigas, que continuaram a falar comigo por uns meses, mais para saberem pormenores do que, o que realmente tinha passado e estava a passar, e depois sumiram! Atualmente, tentam evitar-me, se nos cruzamos na rua.
De tudo isto, pior foram os comentários que fizeram sobre mim, sobre os meus pais e a minha família em geral. Foi super desagradável. Das piores fases da minha vida, que ainda bem que passaram!
Ainda tenho um episódio, digamos, que para mim, é chocante. Numa ida ao supermercado, encontrei a irmã do meu ex-namorado, em que o filho veio até mim, pedir-me colo. Já era habitual isto acontecer, quando nos víamos. Ia abaixar-me para falar com ele, quando bruscamente, a mãe o retirou de perto de mim, como se tivesse uma doença contagiosa — se fosse na altura do covid-19, até perceberia, mas não foi —, e murmurou que eu já não era nada na vida dele. Vi a criança chorar, enquanto era literalmente, arrastada pela mãe, só porque me conhecia e queria colo. Foi das piores imagens e o que mais me doeu, em toda a separação. As pessoas conseguem ser muito cruéis, após um término de relação, que elas nem têm nada a ver. As relações são feitas a dois e só nós dois sabíamos. Mas, claramente, a mulher, neste caso, eu, fui a culpada por tudo, por coisas que nem fiz. E assim vai o mundo e a sociedade de hoje. É mais fácil virar costas, do que encarar as pessoas. 🤨 No entanto, partilho da tua opinião em que só faz falta quem cá está. Cada vez mais, temos de nos habituar a seguir.
Beijinho 😘
Nuno Reis
30/01/2021 at 10:24 PMLamento saber. Espero que esteja tudo bem contigo.
Percebo o comportamento. Os casais que fazem tudo juntos tornam-se uma entidade. Em caso de separação é difícil voltar a ver os indivíduos que antes eram. Mas também as pessoas estão mudadas. Frequentemente estão mais amargas e obcecadas com o tema, pelo que não são vistas como boa companhia.
Quanto a o divórcio ser “contagioso” concordo… Admitir que essa possibilidade existe é asssustador. Encarar quem o fez obriga a enfrentar esse demónio. Muitos casais evitam estar com divorciados com medo de darem ideias à cara metade.
No entanto, não assumas que o ghosting seja pelo novo estado civil. Como referes, há pessoas que desaparecem com o tempo. E estes últimos meses propiciam que se perca contacto. Estás a enfrentar ao mesmo tempo duas novas realidades impensáveis.
Aproveita quem ainda tens contigo. É nestes momentos que se filtra quem é importante para a nossa vida.