Felizmente que já passara muito tempo desde que Nyx abandonara o catolicismo doentio com o qual fora educada. Ao atingir a idade que lhe dava o direito de deixar para trás aquelas paredes cinzentas de opressão, viu-se envolvida numa situação que lhe valeu a perda da fé.
O deus que outrora venerara recusou-se a poupar a vida de um pobre rapazito que Nyx lhe implorara para salvar, a fim de poupar um desgosto à avó, uma velha senhora, que se adivinharia jovem não fosse o rosto profundamente marcado por outras perdas que já sofrera.
No dia em que ela viu a pequena e velha senhora verter abundantes lágrimas silenciosas, Nyx subiu a imensa escadaria da casa da tia e fechou-se no quarto onde, muitos anos antes, morrera a sua bisavó. Aí proferiu doces palavras de renúncia à religião e despiu-se da falsa modéstia que o Deus tanto apreciava nos seus seguidores como se de um complexo de inferioridade sofresse. Parecia apreciá-lo sobretudo nas mulheres.
[…]
Foi como que para adensar o pathos da tragédia de Nyx que entrou outra pessoa na sua vida, aquele tipo de pessoa cuja presença, embora temporária, é dificilmente esquecida. É assim que se explica o impacto que Tanathos teve nela. A primeira impressão que teve quando o viu foi que os seus caminhos já se deveriam ter antes cruzado, mas desconhecia de onde. Nunca soube qual fora a primeira impressão do estranho rapazinho acerca da sua pessoa, lembrava-se apenas que fora ele a aproximar-se dela e não o contrário.
Nyx simpatizou com Tanathos, regida por uma ingenuidade alarmante. Este, contudo, revelou-se uma força destabilizante para os que rodeavam Nyx e, mais tarde, ela própria desejou ver-se livre dele.
Tanathos era dono de uma estrutura óssea parecida com a dos primatas ou, no máximo, com a dos últimos homo eructus. Digamos que a sua pequena estatura era igualmente culpada pelo seu aspecto perturbador. Parecia condizer na perfeição com a sua personalidade.
Nyx achava que um dos seus piores defeitos era fixá-la obsessivamente, quase sem pestanejar.
Incomodada, perguntara-lhe um dia:
– Porque me olhas assim?
– Porque gosto dos teus olhos.- respondera
Tanathos.
– Que te dizem? Que vês neles?- quisera saber Nyx.
– O Inferno.- retorquiu o rapazinho com a sua voz de trovador, muito calmamente como se estivesse ainda a pensar, mas determinado a não quebrar o contacto visual.
by Catarina A. Sousa (16 anos) in ‘Nyx’
1 Comment
Rita
02/03/2015 at 11:04 PMAdorei
Beijinho.
http://adonadasushi.blogspot.pt