Já não fazia um rant há imenso tempo, mas… é impressão minha ou as pessoas andam obcecadas com a ideia da positividade, de arco-íris e um mundo em que nada nunca está mal e somos todos super inspiradores, sempre de bem connosco e com o mundo? Está na moda transpirar amor-próprio, ser-se um autêntico mestre zen e, de um modo geral, basicamente um unicórnio. #somostodosunicórnios podia bem ser a hashtag para descrever este “movimento”.
E ele tem o seu quê de atracção, eu admito. Às vezes também adorava que as coisas fossem assim. Mas não são. Porque, no mundo real em que vivemos, coisas más (tal como as coisas boas) acontecem e, por vezes, não temos qualquer controlo sobre elas. Não vale a pena dizerem que somos nós que controlamos o mundo à nossa volta e a forma como nos sentimos em relação às coisas.
Não somos. Porra, às vezes não somos, não podemos e nem conseguimos.
Às vezes gostava de responder a estas pessoas sempre hiper-mega-positivas por tudo e por nada: “e quando alguém morre, como é? Vou simplesmente sentir-me grata pelo tempo que passámos juntos, ir ao Yoga no dia seguinte e dormir tranquila e serenamente como se nada se passasse?”
É claro que o exemplo não tem necessariamente que ser tão dramático, mas percebam que as pessoas não têm que fingir que estão bem só para não perturbarem a vossa (aparentemente) imperturbável paz interior.
Atenção; há pessoas que estão constantemente a ser negativas e isso, claro, afecta-nos, especialmente quando estamos num dia bom e só de falar com elas toda a nossa positividade é atenuada ou, em casos mais graves, aniquilada.
Por outro lado, as restantes pessoas (as normais, pelo menos) mesmo sendo positivas a maioria do tempo, também têm dias maus em que nem tudo são unicórnios e arco-íris. Também têm direito.
Caramba, eu tenho direito. E sim, eu sou uma dessas pessoas positivas a maioria do tempo. Mas se há coisa que não aceito que me digam quando algo está a correr especial e anormalmente mal, é “oh, mantém-se positiva”, principalmente quando dito de uma forma como se o facto de eu não estar tão alegre fosse corromper a felicidade alheia. Se assim é, desculpem lá qualquer coisinha, mas também… se calhar também não precisamos de falar mais. Os amigos não devem ser pessoas para quem montamos uma personagem só para os impressionar. Se são realmente amigos, vão estar aqui para todas as nossas fases, para o melhor e para o pior, para a saúde e para a doença. Acredito nisto para qualquer relação, seja de amor ou amizade, se for real, claro.
Os amigos não devem ser pessoas para quem montamos uma personagem só para os impressionar.
É importante respeitarmos as fases uns dos outros, perceber que não somos seres estáticos, imutáveis e, no fundo, bonecos. Temos sentimentos e passamos por coisas, por vezes, tão terríveis que não há como permanecer positivo face a elas. E tudo bem. Não temos que estar sempre bem, aliás, não é normal estarmos sempre bem.
Não digam a um amigo que perdeu alguém, algum animal de estimação, um emprego ou recebeu uma multa enorme para pagar para se manter positivo. Caraças, deixem-no mandar dezenas de impropérios ao ar, dar um murro na cama, atirar com o telemóvel, aninhar-se no sofá a ver maratonas de Grey’s Anatomy (ewww) a chorar. Não está tudo bem, mas vai ficar, mais tarde ou mais cedo.
Por vezes, a nossa zona de conforto é precisamente onde temos que estar e não há mal nenhum nisso.
Ninguém quer, num momento de profunda vulnerabilidade, andar aí com as feridas expostas fora da zona de conforto. Já dói o suficiente dentro dela.
Odeio que falem da zona de conforto como uma coisa má. Nunca sair dela é uma coisa má, mas voltar a ela quando precisamos de descanso ou de lamber feridas, é tudo de bom. É o que precisamos, é por isso que ela – metaforicamente – existe.
Quando alguém de quem gostam está a atravessar uma fase – ou mesmo um dia – mau, não ajam como se ela vos estivesse a estragar a vida por mexer com a vossa alegria unicórnia; estejam lá para ela. Paguem-lhe um copo, ou três. Convidem-na para jantar e deixem-na desabafar à vontade.
Paguem-lhe um copo, ou três.
Não ofereçam um “sê optimista, vai ficar tudo bem” quando isso é tudo o que ela não quer ouvir naquele momento e – sejamos francos – vai adiantar zero. Digam mal do mundo com ela durante uns momentos, peçam mais uma garrafa de vinho e tenham paciência com ela. Um dia tudo vai passar.
13 Comments
BeatrizCM
26/11/2018 at 1:44 PMFelizmente, tenho uma família que tem noção, e que me criou tendo-a também, de que há dias maus em que uma pessoa tem mesmo de “mandar tudo cá para fora”, desde que depois consiga dosear a recuperação com uma dose de unicórnios. Sem dúvida que o equilíbrio é a chave!
Obrigada pelas queixinhas, também me sinto assim 😉 Parem lá com a obrigação do optimismo 24/7…
Beatriz
http://fuiprocrastinar.blogs.sapo.pt
Catarina Alves de Sousa
26/11/2018 at 2:09 PMAhaha sim! Às tantas isto começa a parecer uma espécie de seita do optimisto. 😅
mysupersweettwenty
26/11/2018 at 1:58 PMComo te compreendo!
Se estou nervosa/chateada/whatever(…) e me dizem para ter calma isso só faz com que fique ainda pior 🙁
Catarina Alves de Sousa
26/11/2018 at 2:12 PMÉ, não é? Curiosamente tem o efeito oposto. 😤
Joana Silva, Terapias D'Alma
27/11/2018 at 1:19 PMEngraçado como eu e umas amigas falámos disto mesmo há pouco tempo. Este é um post que mostra o que penso sobre isto, com uma escrita sem rodeios. Adorei!
Catarina Alves de Sousa
27/11/2018 at 2:52 PMMuito, muito obrigada, Joana!
Pelos vistos há muito mais pessoas a sentirem o mesmo. Estou feliz por ver que não estou sozinha. 😉
Natália Rodrigues
27/11/2018 at 1:53 PMGosto muito de pessoas positivas, e optimistas, mas, a verdade seja dita, nada melhor que a sinceridade do momento. É tão mau sentir que temos de fingir que está tudo bem só para não “estragar” o bom ambiente alheio… Mas, a verdade é que com as nossas pessoas, isso de fingir não existe, existe é uma solidariedade a toda a prova.
Catarina Alves de Sousa
27/11/2018 at 2:55 PMÉ mesmo isso que descrever, Natália, não “estragar o bom ambiente alheio”. Opa, temos pena. 😛 Há momentos assim, é normal. Só não é normal quando são constantes. Tal como a felicidade não é constante, a infelicidade também não o deve ser. 🙂
Marta Chan - Viver a Viajar
27/11/2018 at 2:35 PMalegria unicórnia hahaha saudades dos rant a la Catarine Souse 😀
O positivismo é uma excelente arma quando a nossa mente tenta por-nos para baixo ou quando um amigo só consegue ver negro. E sim, deveriamos optar por uma atitude positiva perante a vida. Agora estares num momento de tensão e alguém mandar um tens de ser positiva yaaa é só parvo. Pior só quando alguém está a chorar e oiço uma vozinha a aconselhar para parar de chorar! WHAT?? Essa pessoa só precisa dum mega abraço e deixar soltar tudo o que está lhe na alma e coração. Por favor, não peçam pessoas que estão a chorar a pararem de o fazer…
Catarina Alves de Sousa
27/11/2018 at 4:25 PMAhahaha já tinhas saudades, Martinha? 😛
Olha, excelente conselho! Se alguém está a chorar é por algum motivo e certamente não será por lhe dizerem para parar que a vontade de vai passar. Eu cá acho que chorar pode até ser bastante terapêutico, sabes? Como se o nó que às vezes temos dentro do peito se desfizesse e nos abandonasse em forma de lágrimas. Muita tensão sai do nosso corpo com elas. Eu sinto isso. 🙂
Catarina Vasconcelos
27/11/2018 at 3:59 PMReflexão maravilhosa! Como tantas vezes digo: equilíbrio. E hoje em dia é comum associar equilíbrio a estar sempre bem, o que não é verdade. Viver em equilíbrio é ter e aceitar os dias bons, os dias óptimos, os dias menos bons e os dias em que vamos ao charco. É ser-se humano. E nos tempos que correm quase que é de “mau tom” dizer que não se está bem. Criou-se uma espécie de bolha zen em que só podes permanecer se estiveres sempre em alta. E isso só prova que a maioria das pessoas nem sequer sabe o verdadeiro conceito de “zen”. Não temos de estar sempre bem. A nossa energia não está sempre na vibração mais elevada, nem tal é possível. Há oscilações, tem de haver essas oscilações, esses altos e baixos para que possamos estar em equilíbrio, para que possamos rir quando temos vontade de rir, e chorar quando temos vontade de chorar. É a dualidade. E temos de permitir que o outro vivencie os seus momentos maus sem o julgar e sem tentar contrariar isso. Há um pensamento que diz – “por vezes, não precisamos de alguém que nos ajude a levantar mas sim de alguém que se deite ao nosso lado, nos dê a mão e partilhe as nossas lágrimas.” E isto resume tudo!
Um beijinho,
Catarina
Catarina Alves de Sousa
27/11/2018 at 4:17 PMCatarina, não conhecia essa expressão, mas adorei! É tão, mas tão isso, não é? Obrigada por partilhares comigo. 🙂
E esta tua expressão “hoje em dia é comum associar equilíbrio a estar sempre bem, o que não é verdade” também resume muitíssimo bem este post.
Obrigada!
Carolayne Ramos
09/01/2019 at 2:25 PM*palmas* Embora tenha vindo a trabalhar o meu lado positivo, se há coisa que eu faço e que aconselho os meus a fazerem é a viver o lado mau da vida e extrair dali tudo o que conseguirem, de modo a resolverem aquilo, não por uma questão de positividade, mas sim porque ignorar um sentimento é pior do que o viver intensamente. Sim, gosto de passar o meu lado positivo ao pessoal, mas se os vejo na merda, praguejo com eles, mando tudo passear e faço-os ver que não estão sozinhos. E agradeço quando fazem o mesmo comigo, quando compreendem que não tenho razões para estar bem, que prefiro viver aquilo e só depois sair da situação, sem que façam pouco dos meus processos de cura!
Ando tudo muito anestesiado com essa ideia de se ser um unicórnio e isso tanto pode ser bom, como péssimo, porque chega a uma altura em que se começa a negligenciar certas emoções e, quando damos por nós, o que é afinal a empatia? Enfim!
Beijinhos,
LYNE, IMPERIUM BLOG