Na semana passada houve um artigo que levantou ondas em Portugal pelo seu cariz anti-feminista e ultra antiquado. Falo, claro, do artigo “A Mulher, o feminismo e a lei da paridade“, de Joana Bento Rodrigues no Observador. Confesso que este artigo mexeu comigo, mas o que me alarma é que este tipo de opiniões anti-feministas estão a tomar forma e força nas redes sociais. Hoje falo-vos um bocadinho sobre isto e sobre como encaro estas concepções sobre o que deve e não deve ser uma mulher.
Semanas antes deste artigo ter sido publicado, fui alertada para a existência de imensos utilizadores do Twitter que parecem fazer parte de um verdadeiro movimento anti-feminista. Há homens e mulheres. Tanto há homens que culpam as mulheres vítimas de violação pela roupa que usam como há mulheres que tentam convencer e evangelizar as restantes de que o seu lugar é em casa e pronto.
Presenteio-vos com este tweet que encontrei:
“Como é que consegues atender às necessidades dos teus filhos se passas pouco tempo com eles? Apenas estás a passar a mensagem que eles não passam de um hobby; que bens materiais são mais importantes que família. E, lamento, se és mãe a tua vida “própria” são os teus filhos.”
Incrível… Eu fico sem saber o que dizer. A rapariga que escreveu isto é tão novinha… até aposto que não é mãe ainda, mas já está cheia de opiniões sobre o que é ser mãe e como é que uma mulher que é mãe deve ser. Não vou esmiuçar muito este tweet; só vos posso dizer que discordo a 200% e lamento que ela pense assim. Meto as mãos no fogo em como ter os filhos como a nossa vida própria e única é meio caminho andado para uma bruta depressão no futuro.
Agora, vou aproveitar o balanço para partilhar convosco uma citação do artigo da Dra. Joana Bento Rodrigues.
“Quantas mulheres estarão dispostas a abdicar da maternidade e de um casamento feliz, em nome de uma carreira de sucesso? Dificilmente poderão estar em pé de igualdade com o homem, que mais facilmente dedica horas extra ao trabalho, abdicando do tempo em Família, em nome da progressão laboral e, está claro, daquilo que é um apelo mais masculino, o do sucesso laboral. É isto discriminação? Não, são escolhas!”
Ela tem razão, são escolhas! Eu não discordo de tudo o que ela escreveu neste artigo, sabem? Com a parte das escolhas, por exemplo concordo. E que bom que é hoje em dia podermos escolher se queremos ficar em casa com os nossos filhos ou trabalhar e ter filhos ou mesmo trabalhar e não os ter. É óptimo e nem sempre foi assim. Agora, não posso concordar em generalizar. Não posso concordar em alegar que uma única forma de viver – não ter carreira profissional ou minimizarmo-nos profissionalmente em detrimento do homem – é transversalmente benéfica a todo um género. Aliás, esta frase nem me faz sentido.
Generalizar dizendo que a mulher deve ser x ou y é o mesmo que ler o horóscopo do nosso signo e achar que algo, esta semana, vai acontecer a literalmente toda a gente que partilha o signo connosco.
Faz algum sentido?!
Porque é que estas ideias sobre o que é ser mulher não me fazem sentido
A resposta é tão simples. Tal como a Dra. Joana e outras senhoras que partilham da mesma opinião sobre as mulheres e o feminismo cresceram, provavelmente, com esses exemplos à sua volta, comigo aconteceu algo semelhante, mas ao contrário. Eu explico.
Eu não cresci a achar que ficar em casa com filhos e não trabalhar era uma opção. Nunca. Sempre ouvi que tinha que me esforçar na escola para arranjar um bom emprego, ganhar dinheiro, ter as minhas escolhas, a minha liberdade e a minha independência. Os meus pais nunca duvidaram que eu encontrasse o amor, mas uma coisa nunca teve nada a ver com a outra.
Cresci com uma mãe trabalhadora e foi incrível. Nunca me senti posta de lado por ela nem nunca me ressenti por ela trabalhar. Eu também ia para a escola o dia todo! De que me servia ter a minha mãe em casa o dia todo se eu nem lá estava? Cresci, por isso, com o exemplo de uma mãe que contribuiu tanto para manter, financeiramente, o nosso lar como o meu pai. Nunca na minha vida me passou pela cabeça que ela tivesse mais responsabilidade para comigo e com o meu irmão do que o meu pai.
Não sei explicar-vos como nem porquê, mas dizerem que a mulher é a responsável pela educação das crianças e o pai pelo seu sustento, ofende-me e magoa-me. E é a maior treta deste mundo.
Mulheres sem carreira: sim ou não
A questão aqui e aquilo que vos quero transmitir é o seguinte: apesar de eu discordar fortemente daquilo que estas mulheres, como a Dra. Joana e a rapariga do Twitter, apregoam sobre o “género feminino”, eu continuo a acreditar que toda a gente tem direito à sua opinião e a viver a vida de acordo com aquilo em que acredita. Mais uma vez, aquilo que condeno é a evangelização subentendida nestes textos…
Mas também não concordo em insultar estas pessoas. Esta é a realidade delas e não vamos ser nós a mudar as ideias que elas têm sobre aquilo que devem fazer para serem felizes.
Meninas: façamos mais disto:
No fundo, é isso que andamos todos aqui a fazer, não é? Tentar ser feliz. Mulheres: julguemos menos as opções umas das outras, pode ser? Seja de que “lado” for. Da minha parte, saibam que fico genuinamente feliz por podermos escolher. Sabem que mais? Gostava que os homens também pudessem ter a opção de ficar em casa com os filhos sem serem olhados de lado. Já pensaram nisso? No desprezo que um homem que tome essa decisão recebe da sociedade?
Voltando às mulheres:
Podemos concordar que, pelo menos, temos esse objectivo em comum? Sim, é isso. Escolho terminar este texto com esta nota positiva:
Nós, mulheres, quaisquer que sejam os nossos ideais, só queremos ser felizes e fazer o melhor para nós.
E vocês, o que acham de tudo isto?
12 Comments
Joana Sousa
06/03/2019 at 10:59 AMSinceramente, acho isto tudo uma grande macacada e uma grande jogada dos sites como o Observador para ganhar clicks. Parece que o novo desporto favorito deles é dar espaço a quem sabem que vai gerar polémica só para terem mais movimento (já voltaram a fazê-lo entretanto). E o que é certo é que funciona, e infelizmente traz à superfície tudo o que ainda há de mais retrógrado na nossa sociedade – que se disfarça de avançada mas ainda tem muito a aprender no que toca a parar de se meter na vida do indivíduo.
Eu já vou com 27 anos e sei lá se um dia que tenha filhos vou querer continuar a trabalhar ou se vou querer ficar em casa?! Mas o que é que isso diz sobre mim como mulher? Não ganho nem perco valor, seja qual for a decisão que tomar. Também cresci com uma mãe trabalhadora e só lhe posso agradecer o grande exemplo que me deu: a mulher que trabalhava e que, fruto de uma educação “à moda antiga”, tomava conta de uma família inteira como se o dia dela tivesse 48h. Caramba, ainda bem que me deu esse exemplo, mostra-me que tudo se faz. E nunca, nunca me faltou amor, fosse dela ou do meu pai.
Estas dondocas que têm a vida feita de mão beijada, cujo objectivo de vida é serem “bem casadas” e que fazem questão de “ensinar” as outras pessoas a viver a vida tiram-me do sério. O feminismo ainda é preciso, e muito. E um bocadinho de bom senso também, já agora.
Jiji
Catarina Alves de Sousa
06/03/2019 at 11:36 AMÉ mesmo isso tudo que dizes, Joana! Também não duvido que não passa de uma estratégia do Observador, sinceramente, mas mesmo antes disso, é como digo: está por todo o lado nas redes sociais. Eu entendo alguém querer uma vida “tradicional” para elas, seja lá o que isso for, mas tenho que me insurgir quando há palavras de violência ou de doutrinação para com outras mulheres. Ridículo…
Ines
06/03/2019 at 1:24 PMHonestamente, é este tipo de mentalidade que me deixa de pé lá bem atrás no que toca a auto-intitular de feminista e que infelizmente é julgado por muitas mulheres como sendo anti-feminista (seja lá o que isso for). Não me refiro às tuas palavras, mas a este tipo de movimentos.
Estes são problemas recriados e vividos sobretudo nos Estados Unidos, e que tanta influência têm vindo a ter na Europa, em países onde não faz de todo sentido. Particularmente, no que toca a Portugal, a menos que estejamos a falar de famílias ricas, garanto-te que nem 10 por cento das famílias têm sequer a possibilidade de ponderar ficar em casa a cuidar dos filhos. E como mãe que o decidiu fazer nos primeiros anos de vida dos meus filhos, posso-te dizer que se houve alguém a julgar as minhas decisões de forma depreciativa foram sobretudo mulheres Portuguesas. Pior ainda teria sido se fosse escolha do David ficar em casa a cuidar dos filhos e eu ir trabalhar. Simplesmente porque não é esse o tipo de cultura sob a qual somos educados.
Fico feliz por viver num país que valoriza a importância do balanço entre família e trabalho e deixa de lado este tipo de preconceitos retrogradas. Que permite a ambos os pais trabalhar em média um numero de horas inferior para poderem usufruir de tempo livre e com qualidade junto dos filhos, que por sua vez também não passam dias inteiros enfiados nas escolas desnecessariamente. Aqui é tão frequente veres um pai sozinho com os filhos como veres uma mãe a fazer o mesmo, pois ambos têm esse direito e tanto os homens não são julgados por o fazer como as mulheres também não o são e o mesmo acontece se ambos decidirem ir trabalhar. Trata-se sobretudo de respeito e opção de escolha sem preconceitos.
http://pt.witkonijn.net/
Catarina Alves de Sousa
06/03/2019 at 2:45 PMUm grande aplauso a tudo o que disseste, Inês!
Realmente, faz zero sentido apregoar o “ficar em casa” em Portugal, uma vez que são pouquíssimas as pessoas que se podem dar ao luxo de o fazer. E se, por exemplo, nos EUA as mães até podem fazer homeschooling aos filhos, aqui não…
Relativamente ao resto (e isso dava uma discussão à parte), Portugal não está preparado para incentivar um maior equilíbrio entre vida profissional e familiar, o que é muito triste. Ainda bem que temos os exemplos de outros países para percebermos o quanto ainda temos que fazer para que essa seja uma realidade por cá.
Se fosse, esta “discussão” nem tinha razão de ser. E sim, é exactamente como dizes e como eu disse no final do texto: se for o pai a escolher ficar em casa ainda é mais alvo de crítica!
Fico triste por teres sido criticada pela tua decisão e é precisamente para situações dessas que eu luto: não temos que criticar as escolhas umas das outras, temos só que apoiar e viver consoante somos mais felizes, respeitando as outras. <3
Inês
06/03/2019 at 9:00 PME tens feito da melhor forma. São precisas mais mulheres como tu! Um grande beijinho
Vânia
06/03/2019 at 7:18 PMOlha Catarina já evito ler cenas sobre este assunto porque na verdade muito se poderá dizer e refletir e há posturas com as quais não me identifico nada. Acho que mulheres e homens são seres humanos e como tal, em qualquer parte do mundo, têm que ter direito a poder realizar as suas escolhas e sonhos sem que lhes sejam colocadas barreiras, ou aplicados juízos de valor, desde que não prejudiquem ninguém para tal (e com prejudicar quero dizer não matem, não magoem, não faltem ao respeito, não passem por cima de ninguém). Esse é um princípio da razoabilidade e bom senso que deveria ser transversal à vida em grupo, ou em sociedade e que nada deveria ter que ver com feminismo, machismo, ou o que seja que lhe queremos chamar. E o que é chato é que isto ainda não acontece porque continuamos a educar crianças, até de forma inconsciente, para terem muito presente a ideia da diferenciação de género. Isso é uma chatice grande e cabe a cada homem e mulher contribuir para abolir isso das novas/futuras gerações. Há-de haver sempre diferenças entre pessoas, mais do que entre homens e mulheres. E as diferenças entre pessoas poderão ser algo complementar e bom, se as conseguirmos compreender e aceitar sem reservas. E se não forem algo bom, não precisamos de nos demorar aí, seguimos em frente.
Inês
06/03/2019 at 9:09 PMVânia não podia concordar mais contigo! As crianças por si só não diferenciam cor, sexo ou qualquer outra coisa de forma depreciativa. Isso é tudo um reflexo do que aprendem por parte dos adultos e é aí que nos devemos focar e ter consciência do impacto para melhorar! Só aos poucos com o empenho dos pais e educadores as crianças de hoje conseguem realmente ter um impacto positivo no futuro. Ter um filho não é apenas uma coisa bonita e que deve ser feita como é “imposto” pela sociedade, tem toda uma responsabilidade por trás que vale mais do que a continuação do adn e que é por vezes posta de lado de forma tão leviana.
Irrelevante
07/03/2019 at 10:40 AMFoi pena só te teres lembrado dos direitos do homem e da mulher, porque nas crianças não pensaste… onde ficam os direitos de um bebe que aos 4 meses vai para a creche às 7h30 e os pais só voltam do trabalho pelas 18h/19h???
Esse é o vosso problema, feministas, e ninguém vos leva a sério porque ninguém tem pachorra para o vosso fanatismo l. Não venham tb estragar o que até aqui se tem conseguido muito morosamente alcançar pelos míseros direitos da família em Portugal
Catarina Alves de Sousa
07/03/2019 at 10:48 AMMais respeito a responder, sff. Acho engraçado as pessoas “falarem” assim na internet quando, se estivessemos a conversar pessoalmente, nunca teriam coragem de falar nesse tom com alguém que nem conhecem, mas ok, eu respondo na mesma.
Sim, eu penso – e muito – nos direitos das crianças, mas da forma como falar pareces querer empurrar a culpa para a mãe – surprise, surprise…
A culpa é da mãe que trabalha, não é? O pai não tem nada a ver com isso. Faz todo o sentido (ler ironia nesta frase).
Sabes de quem é a culpa das crianças ficarem na creche (ou nos avós) esse tempo todo? Das leis do teu país. Da cultura do mesmo, da sociedade. Em Portugal, os nossos horários são terríveis, especialmente para quem tem filhos. Se observares o exemplo de países nórdicos como, por exemplo, a Dinamarca, este sistema está muito mais adaptado a quem tem filhos e lá é impensável ficares no trabalho até às 18/19h.
Adorava que isso mudasse por cá, como é óbvio!
Até lá, e enquanto ambos os pais tiverem que trabalhar (sim, que nem toda a gente tem disponibilidade financeira para optar por NÃO trabalhar), terá que ser assim… Olha, comigo foi, e eu sou muito feliz e adoro os meus pais. A culpa não é deles, nunca foi. O nosso país é que tem que mudar.
Catarina
07/03/2019 at 6:24 PMQuando li o referido artigo, fiquei um pouco “chocada”, principalmente pela tal “evangelização” que lhe está subjacente (ainda bem que não fui só eu a aperceber isso). Eu sou a favor de que cada um e cada uma pode e deve escolher a vida que quer, desde que não prejudique ninguém. Somos todos maiores e vacinados. No entanto, voltar a reduzir o papel da mulher a dona de casa é algo que me indigna e muito. E sim, podem chamar-me feminista porque o sou, orgulhosamente. E falando em feminismo, acontece que muitas pessoas não sabem sequer o que é ser feminista. Se o soubessem, estes movimentos anti-feminismo não existiam sequer. Porque feminismo não é uma luta de poder, não é uma luta contra os homens, é uma luta pela igualdade de direitos e de oportunidades. Enerva-me um bocadinho que as pessoas não se dêem ao trabalho de saber o que é o feminismo antes de nos apontarem o dedo. E, pasmem-se essas pessoas, há homens feministas (tenho um mesmo aqui ao meu lado)! Porque esta é uma luta transversal a todas as pessoas que querem uma sociedade mais justa.
É preciso falar destes temas. E obrigada a ti, Catarina, por falares sobre isto e por gerares esta discussão construtiva em torno deste assunto.
Um grande beijinho!
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