Até há muito pouco tempo via a possibilidade de transformar hobbies em rendimentos extra como sendo muito ‘empowering’. Durante algum tempo diverti-me e ganhei dinheiro na monetização de alguns serviços meus: fotografia, escrita, revisão de textos, etc. Foi óptimo, fiz um bom dinheiro e senti-me valorizada por saber que há procura para algo que faço, mas também por ter descoberto que conseguiria, provavelmente, sustentar-me com mais destes ‘side hustles’ se não tivesse um emprego a tempo inteiro.
E eis que chegamos a 2019. Este ano ainda trabalhei para fora, na criação de conteúdos para o blog de uma marca, mas, entretanto, esse trabalho já terminou e… não me sinto minimamente “vazia”, por assim dizer. Não estou a sentir falta de outro ‘side hustle’ porque tenho outros ‘side qualquer coisa’, ou seja, coisas que faço por fora e que não geram rendimentos. E está tudo ok.
Agora usamos terminologia de mercado para elogiar
Ando lentamente a ler o último livro do Austin Kleon. Depois de “Steal Like an Artist” e “Keep Going”, leio “Keep Going” a passo lento para o interiorizar bem e não o acabar demasiado depressa. Tenho tirado imensas notas para um livro tão pequeno em tamanho, o que é incrível. E houve uma parte em especial que me chamou a atenção.
É num capítulo que fala sobre diversão e trabalho que Kleon faz uma afirmação que estremeceu o meu mundo.
Aqui vai parte dela para que consigam senti-la comigo:
“We’re now trained to heap praise on our loved ones by using market terminology. The minute anybody shows any talent for anything, we suggest they turn it into a profession. This is our best compliment: telling somebody they’re so good at what they love to do they could make money at it.”
Austin Kleon, on ‘Keep Going’
Ainda não acabou. Leiam esta parte:
“We used to have hobbies; now we have “side hustles”. […] the free-time activities that used to soothe us and take our minds off work and add meaning to our lives are now presented to us as potential income streams, or ways out of having a traditional job.”
Austin Kleon, on ‘Keep Going’
Caramba. Isto mexeu comigo, não vou mentir. Eu, que durante tanto tempo me orgulhei de conseguir monetizar praticamente tudo aquilo que sei fazer bem. Mas será que isto, afinal, não é bom? Depois da introspecção a que esta parte do livro me obrigou, respondo: sim e não.
É bom conseguirmos viver dos nossos talentos, claro! Porém, quando já temos um trabalho full-time que nos preenche a maior parte do tempo, será que temos mesmo que comercializar a nossa criatividade se não tivermos realmente necessidade de dinheiro extra?
Claro que a resposta será um redondo “sim” se, por exemplo, estivermos a testar uma via de rendimento alternativa para, um dia, nos podermos despedir de um emprego que já não nos traz felicidade ou motivação. As conclusões são mais complexas do que aquilo que parecem.
Quando é que deixamos de usar os nossos hobbies como um escape?
Mesmo compreendendo perfeitamente as razões que nos levam a monetizar hobbies e admitindo que me sinto bem quando o faço, cheguei a duas conclusões:
- que, às vezes, o fazemos como forma de obter aceitação por parte de outros (mel para o ego);
- que, realmente, há coisas que fazemos e que nascem do nosso mais puro talento, que devemos fazer apenas pela arte e por prazer.
Ou seja, há coisas que – conseguindo – devemos e podemos rentabilizar, mas… o ideal é manter uma pequena parte do nosso talento numa montra de vidro metafórica no museu da nossa mente.
Voltando a citar Austin Kleon para dar mais substância a esta afirmação:
“When you start making a living from your work, resist the urge to monetize every single bit of your creative practice.”
Austin Kleon, on ‘Keep Going’
Outra frase que bateu forte dentro do meu centro criativo. Vou guardar e repetir estas palavras como um mantra.
O que acham disto tudo? Faz-vos sentido?
7 Comments
Joana Sousa
19/06/2019 at 2:12 PMFaz imenso, imenso sentido. Sinto muito isso com o teatro – cheguei a considerar a hipótese de tentar segui-lo de um modo profissional, mas num misto de não querer uma vida instável e de uma vontade de não me “obrigar” a fazê-lo, não segui essa via. E ainda bem que não o fiz!
Já com a fotografia, por exemplo, como a vejo como um possível meio de subsistência/complemento no futuro, já não consigo fazer essa separação. Tenho medo que, se um dia puser essa pressão em mim mesma, arruíne o lado criativo, mas por outro lado queria muito fazê-lo como uma forma de desafio pessoal.
Sei lá. Não é fácil responder. Humanos são complexos :p mas acho essencial termos um escape que não é “trabalho”!
Jiji
Beatriz Ribeiro
19/06/2019 at 2:42 PMSim, faz muito sentido. Eu tenho receio que transformar um Hobbie num trabalho me tire o prazer e motivação que ele me dá. Porque depois vai ter que ser trabalho e isso implica sempre algumas coisas mais aborrecidas como compromissos, cumprimento de prazos, gerir conflitos e reclamações etc e deixa de ser algo livre. Boa reflexão 🙂
Andreia Esteves
21/06/2019 at 10:49 AMPenso que já no’ Steal Like an Artist’, ele refere que os nossos hobbies podem ser simplesmente hobbies e não têm de ser necessariamente mais uma fonte de rendimento. Acho que faz imenso sentido! No meu caso, o ballet é uma das actividades que me dá mais prazer, mas não tenciono segui-la de forma profissional. Funciona como uma terapia e um escape à azáfama do dia-a-dia 🙂
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26/05/2020 at 7:06 PMWow, isto fez tanto sentido! 😮
Ao longo da leitura, só me vinha à cabeça uma atividade com a qual já tentei fazer dinheiro, mas à qual só recorro com urgência, quando nada mais criativo me sustenta: pintar. Preencher grandes telas com pinceladas não pensadas e que se vão materializando. Por muito potencial que o resultado final tenha, a ideia de ter de me obrigar a abrir um compartimento de mim, sem sentir a necessidade, assustou-me… E isto, porque já tive de confrontar a possibilidade de monetizar este hobby, junto de pessoas que me poderiam fazer chegar a tantas mais…
Ter escutado o meu íntimo, ter sentido a ansiedade no meu corpo e que me assinalava de que seria um erro explorar um talento que deveria ser guardado para mim, fez-me repensar e recuar. Não me arrependo e, até hoje, sinto-me grata por valorizar a minha intuição! Tenho outros hobbies que, facilmente, me podem ajudar a criar uma independência, ainda para mais, nos tempos de correm. É uma questão de experimentar! 😀
Beijinhos e muito obrigada pela tua publicação! ♥
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